Tratamento de enxaqueca: como o Canabidiol pode ajudar?
- vivabisorg
- 13 de jan. de 2023
- 4 min de leitura

A Sociedade Internacional de Cefaleia classifica 150 a 200 tipos diferentes de dores de cabeça, entre elas a enxaqueca, uma condição crônica cuja causa exata ainda permanece desconhecida.
Pode estar associada a uma predisposição genética, mas, alguns fatores como ansiedade, estresse, má qualidade do sono, jejum prolongado, bebidas alcoólicas e alguns tipos de alimentos – como os ricos em açúcar e gordura, os laticínios e a cafeína – são gatilhos comuns para quem sofre dessa doença.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa é a sexta doença mais incapacitante do mundo, caracterizada por uma dor de cabeça unilateral, pulsátil e com intensidade moderada a grave, que tende a piorar ao longo das atividades rotineiras.
Ainda segundo a OMS, a enxaqueca afeta 30 milhões de brasileiros, sobretudo do sexo feminino. A baixa dos níveis hormonais no período que antecede a menstruação seria um dos motivos que explica por que 85% dos portadores de enxaqueca são mulheres.
O diagnóstico da enxaqueca crônica é feito com base no nível da dor e no número de crises, que nos casos mais graves podem chegar a 15 dias por mês ou mais. Os ciclos de dor geralmente variam de 4 a 72 horas.
Importante ressaltar que o uso excessivo de medicamentos para dor é uma das razões que fazem com que uma enxaqueca episódica se torne crônica. Sintomas adicionais também são comuns nesses quadros, como náuseas, vômitos, sensibilidade à luz e ao som, tontura e formigamentos.
Devido à alta taxa de refratariedade, o tratamento para enxaqueca é frequentemente desafiador e inspira uma série de cuidados prescritivos. Nesse contexto, a Cannabis medicinal vem se destacando como uma alternativa terapêutica promissora, com um histórico milenar de uso para este fim.
O principal destaque é o canabidiol (CBD), devido às suas propriedades analgésicas e anti-inflamatórias, cujos resultados em dores crônicas já são comprovados cientificamente. Outros canabinoides, como o tetra-hidrocanabinol (THC), também vêm sendo alvo de estudos.
Neste conteúdo, falaremos dessas evidências e de como se preparar para incorporar esse importante arsenal terapêutico em sua prática prescritiva, visando trazer mais bem-estar e qualidade de vida para os pacientes que sofrem de enxaqueca.
Histórico do uso de Cannabis para enxaqueca
As pesquisas científicas trazem registros históricos do uso da Cannabis tanto para o tratamento sintomático quanto profilático da enxaqueca entre os anos de 1874 e 1942. As referências etnobotânicas e anedóticas da segunda metade do século XX atestaram o potencial analgésico dos canabinoides para este fim, como relata esta revisão bibliográfica realizada pelo Dr. Ethan Russo, um dos maiores pesquisadores de derivados canabinodes do mundo.
A pesquisa examina a história de uso medicinal da planta pelo fumo e por outros métodos em culturas antigas, incluindo a chinesa, indiana, egípcia, assíria, grega e romana, bem como no mundo islâmico, e sua subsequente adoção pelos europeus da Renascença e da Era Industrial.
As referências mais modernas corroboram a eficácia da Cannabis no tratamento para enxaqueca com base em estudos bioquímicos envolvendo o fitocanabinoide THC e o endocanabinoide anandamida (AEA) – o neurotransmissor endógeno conhecido como “substância da felicidade” – a partir de mecanismos anti-inflamatórios, serotoninérgicos e dopaminérgicos.
>> Leia a revisão completa em: Cannabis for migraine treatment: the once and future prescription? An historical and scientific review.
Os estudos envolvendo a Cannabis medicinal ganharam força na segunda metade do século XX, devido às descobertas científicas em torno do Sistema Endocanabinoide (SEC). Esse sistema funciona como um conjunto de receptores, ligantes e enzimas que atuam como sinalizadores entre as células, auxiliando na manutenção e restauração da homeostase do organismo.
>> Leia a revisão completa em: Significance of the endocannabinoid system in migraine.
Outra referência é esta pesquisa que correlaciona a desregulação do SEC à ocorrência da enxaqueca. A ativação do Sistema Trigeminovascular (ST) e a liberação vasoativa das terminações trigeminais, nas proximidades dos vasos meníngeos, são considerados dois dos principais mecanismos efetores das crises de enxaqueca.
A pesquisa sugere que o SEC é um dos mediadores do ST, trazendo dados clínicos que mostram que os níveis de anandamida (AEA) estão reduzidos no líquido cefalorraquidiano e no plasma de pacientes com enxaqueca crônica. Essa redução, por sua vez, estaria associada à facilitação da dor na medula espinhal.
>> Leia a revisão completa em: Endocannabinoid System and Migraine Pain: An Update.
Já esta pesquisa publicada no European Journal of Clinical Pharmacology investigou os níveis de serotonina em pacientes portadores de enxaqueca crônica ou que sofrem de cefaleia por o uso excessivo de medicamentos, demonstrando o desequilíbrio do SEC nessas condições.
Para testar essa hipótese, foram determinados os níveis dos dois principais canabinoides endógenos – anandamida (AEA) e 2-araquidonilglicerol (2-AG) – em plaquetas de 20 pacientes com enxaqueca, 20 pacientes com cefaleia e 20 pacientes sem nenhuma dessas condições.
O estudo mediu os níveis de serotonina plaquetária nesses pacientes. Os resultados mostraram que os níveis de AEA e 2-AG foram significativamente mais baixos em pacientes com cefaleia e enxaqueca crônica que fazem o uso de medicamentos do que nos grupos controle.
Esses dados mostram o potencial envolvido na relação entre a disfunção do sistema serotoninérgico e do Sistema Endocanabinoide em pacientes com enxaqueca e outras cefaleias, atestando e o potencial da Medicina Endocanabinoide no tratamento dessas patologias.
>> Leia a pesquisa completa em: Endocannabinoids in platelets of chronic migraine patients and medication-overuse headache patients: relation with serotonin levels.
Destacamos também esse estudo observacional realizado em 20 mulheres com enxaqueca e 18 saudáveis, tendo como referência suas respectivas idades e índices de massa corporal. A aquisição de imagens pelo método de tomografia por emissão de pósitrons (PET) foi feita 90 minutos após a injeção intravenosa do radiotraçador [18F]MK-9470 para avaliar a ligação da substância ao receptor CB1.
Constatou-se o aumento da ligação do radiotraçador ao receptor endocanabinoide CB1 nos pacientes com enxaqueca em comparação àqueles sem a doença. Esse aumento foi detectado nas regiões cerebrais relacionadas à modulação da dor – córtice cingulado anterior, lobo temporal mesial, pré-frontal e frontal superior e outras regiões do cérebro – o que indica também, alterações no tônus de funcionamento do Sistema Endocanabinoide nos pacientes do sexo feminino que sofrem de enxaqueca episódica.
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